Sexta-feira
29 de Março de 2024 - 

Lei Maria da Penha faz 14 anos e é referência mundial, mas Brasil ainda falha em políticas de equidade

 “A Lei Maria da Penha é uma ação afirmativa de enfrentamento a uma condição histórica de violência, discriminação e opressão das mulheres somente pelo fato de serem mulheres. Costumo dizer que a lei veio para resgatar a dignidade da mulher brasileira.” A afirmação é dela, Maria da Penha Maia Fernandes, uma cearense de 75 anos que ajudou a escrever o mais importante capítulo da luta no Brasil por uma sociedade livre do subjugo das mulheres. Sancionada em 7 de agosto de 2006, a Lei 11.340 / 2006 possui caráter inovador, principalmente por estabelecer medidas protetivas de urgência que fazem cessar de imediato situações de violência doméstica e asseguram a integridade de vítima. Nos locais em que é efetivamente aplicada, as reincidências diminuem. São 46 artigos distribuídos em sete títulos, instituindo mecanismos de prevenção e combate à violência doméstica contra a mulher conforme a Constituição Federal (art. 226, § 8°) e quatro tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro - Convenção de Belém do Pará, Pacto de San José da Costa Rica, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.A despeito da qualidade da Lei Maria da Penha e do avanço por ela proporcionado, o Brasil ainda está longe de ser um país que dá à mulher o respeito que ela merece.“A Lei Maria da Penha é considerada pela ONU uma das três mais avançadas do mundo. Por outro lado, somos o quinto país com maior número de mortes de mulheres”, salienta a advogada Alice Bianchini, conselheira federal da OAB por São Paulo e vice-presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada. “Onde está o erro?”, questiona. E prossegue: “O erro está na falta de investimentos em políticas de equidade de gênero, já que, quanto maior é a desigualdade entre homens e mulheres, maior é o índice de violência de gênero – é o que mostram as estatísticas”.“A Lei Maria da Penha encontra no Brasil o dilema entre paradoxo e paradigma. Mesmo com ela, ainda somos o quinto país no mundo em feminicídio e o primeiro em transfeminicídio, o feminicídio de mulheres transexuais e travestis”, nota a advogada Cláudia Luna, presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB SP. “Ao avaliar os 14 anos dessa legislação tão transformadora, tão disruptiva, nós ainda nos encontramos entre o paradoxo de contarmos com essa legislação mas, ao mesmo tempo, não sermos paradigma de proteção efetiva às mulheres. No duelo entre paradoxo e paradigma, que as vidas das mulheres possam efetivamente ser garantidas e cada vez mais protegidas pela Lei Maria da Penha”, concita Luna. Para a advogada Myriam Ravanelli, vice-presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB SP, “histórica e culturalmente, a mulher carrega o estigma de submissão e pseudo-inferioridade em relação ao gênero masculino. E esses fatores ainda reverberam na atualidade quando tratamos da questão da violência contra a mulher”. Ao enaltecer a figura de Maria da Penha Maia Fernandes - que “marcou a história da cidadania feminina, legitimando indagações e mobilizações para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária” – Ravanelli destaca que “a Lei 11.340/2006, que carrega o seu nome, modificou toda a estrutura legal nas questões afetas à violência doméstica e familiar, além de inspirar a adoção de legislação semelhante em outros países, fomentando a denúncia de violências físicas, psicológicas, morais, sexuais e patrimoniais não só por parte das vítimas, mas da família, da sociedade e do Poder Público”. Epopeia - O périplo da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes até que a lei fosse concretizada é digno de uma epopeia, contada em detalhes no seu livro Sobrevivi... posso contar, publicado em 1994. Em 1983, ela recebeu dois tiros de seu companheiro Marco Antonio Heredia Viveros e ficou paraplégica. A versão do agressor para os disparos – tentativa de assalto – foi posteriormente desmentida pela perícia. Quatro meses depois de baleada, quando Maria da Penha voltou para casa – após duas cirurgias, internações e tratamentos –, ele a manteve em cárcere privado durante 15 dias e tentou eletrocutá-la durante o banho.Ao levar seu caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), Maria da Penha desencadeou o processo legislativo que culminaria na Lei 11.340/2006, especificando atos de violência contra a mulher em ambiente doméstico para muito além das agressões físicas – espancamento, queimaduras, sufocamento e outros –, incluindo as opressões psicológicas: ameaças, constrangimento, humilhações, vigilância constante, perseguição, insultos, chantagem.Caixa de Assistência - O cumprimento da Lei Maria da Penha, que em última instância implicará uma mudança cultural, requer atenção permanente e iniciativas de apoio. Nesse sentido, a Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo criou em junho último o Auxílio Violência Doméstica, destinado a advogadas e estagiárias beneficiárias de medidas protetivas previstas na lei, e que comprovem carência financeira em decorrência da violência sofrida. Elas podem receber o auxílio pecuniário pelo período de seis meses, além de atendimento psicológico na rede referenciada da entidade ou pela plataforma de psicologia CAASPsico.O Auxílio Violência Doméstica nasceu de uma iniciativa da vice-presidente da Caixa, Aline Fávero. “Com o isolamento social e o aumento da violência doméstica, resolvemos implantar agora o novo benefício. Como se trata de um projeto que vinha desde o ano passado, já contávamos com previsão orçamentária para tanto”, relata a dirigente.Conforme a oitava edição da Pesquisa Nacional sobre Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, o percentual de mulheres que declararam já ter sofrido algum tipo de agressão é de 27% no Brasil, destaca a diretora da CAASP Raquel Tamassia. “Entre estas mulheres estão também as advogadas que, no contexto da violência, encontram-se em posição de vulnerabilidade com a necessidade, muitas vezes, de suporte financeiro e psicológico para sair do ciclo da violência. Neste sentido foi criado o benefício, para prestar apoio às advogadas neste momento crítico”, explica a dirigente.Paralelamente, CAASP e OABSP aderiram à campanha Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica, cujo foco é ajudar advogadas a denunciarem situações de violência vividas em casa. A ação acontece nas farmácias da Caixa de Assistência, espalhadas por todo o Estado de São Paulo. O protocolo de socorro é simples e discreto. Basta a mulher vitimada desenhar um “X” na mão e exibi-lo a qualquer um dos atendentes da farmácia.    
07/08/2020 (00:00)
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