Sexta-feira
29 de Março de 2024 - 

Aplicação do CPC na execução do crédito tributário

Por Eurico Marcos Diniz de Santi, Lina Santin Cooke, Gabriel Franchito Cypriano e Júlia Mendes Nos termos do artigo 174, parágrafo único, I, do CTN, a data do despacho do juiz que determina a citação, proferido dentro do prazo prescricional, é o marco temporal que interrompe a prescrição da cobrança dos créditos tributários. Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.120.295 na sistemática dos recursos repetitivos, decidiu, com base no artigo 219, parágrafo 1º, do CPC, que o dies ad quem da prescrição tributária seria a data do ajuizamento da ação de execução fiscal. A decisão gera polêmica, pois o artigo 146, III, “b”, da CF/88, é expresso ao dispor que somente lei complementar tem competência para disciplinar sobre normas gerais de matéria tributária, dentre elas a prescrição, conforme já pacificado pelo Supremo Tribunal Federal. Logo, aplicar o dispositivo do CPC, em detrimento do CTN, representaria evidente inobservância ao que dispõe o texto constitucional. Com o objetivo de elucidar o assunto, em prol da segurança jurídica, e discutir sobre a aplicabilidade do CPC nas execuções de créditos tributários, o Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP realizou, no dia 28 de maio, o evento "Segurança Jurídica e aplicação do CPC na execução do crédito tributário". O seminário contou com a participação de Roberto Lopes Becho (juiz federal do TRF-3); bem como de advogados representando o clube de patrocinadores do NEF/FGV Direito SP (FCR Law; Machado Associados; Machado Meyer Advogados; Mannrich & Vasconcelos Advogados; Neves & Battendieri Advogados; Salusse & Marangoni Advogados; e Schneider Pugliese Advogados). 1. Panorama histórico das normas de prescrição Renato Lopes Becho (TRF3) traçou panorama histórico das normas de prescrição, destacando as mudanças sofridas pela sucessão de Códigos de Processo Civil. Com a edição do CPC/1973, o dispositivo que rege a interrupção da prescrição recebeu redação mais apurada, esclarecendo que caso a citação não ocorra em até 100 ou 105 dias, a interrupção prescrição só ocorrerá no dia da efetiva citação, sem possibilidade de retroagir à data da propositura da ação. Em 1994, com a edição da Lei 8.952/1994, o artigo 219 do CPC/73 ganha nova redação, estabelecendo que a parte deverá promover a citação do réu nos 10 dias subsequentes ao despacho que a ordenar, prorrogável por 90 dias, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário. Ao assim dispor, o legislador incumbe à parte o dever de promover a citação, sob pena de não ser interrompida a prescrição e tampouco retroagir à data da propositura da ação. Trata-se de um subsistema processual de interrupção da prescrição: não basta o protocolo da petição inicial, é preciso que a parte promova a citação. No entanto, o conceito de “demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário” não é definido pelo legislador. A Súmula 106 do STJ, editada em 2009, também não esclareceu este conceito, pois tratou de repetir o comando constante do artigo 219, sem especificar o que seria o “atraso imputável exclusivamente ao serviço judiciário”. Além de não esclarecer, promove mais incerteza e confere ao autor da ação uma espécie de “cheque em branco”, pois basta alegar que a demora na citação foi culpa exclusiva da máquina Judiciária para afastar a prescrição ou decadência. Por sua vez, a Lei de Execução Fiscal, anterior à citada Lei 8.952/1994, em seu artigo 8º, parágrafo 2º, dispõe que “o despacho do juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição”. Questiona-se se este dispositivo deve ser interpretado isoladamente ou dentro do subsistema criado pelo CPC, uma vez que o legislador processual civil estabeleceu o dever da parte e o prazo para fazê-lo, além de identificar a diferença entre os conceitos de propositura, distribuição, despacho judicial e a efetivação, enquanto a LEF é omissa sobre tais conceitos e também sobre quem deve promover a citação e em qual prazo. 2. REsp 1.120.295: o CPC pode tratar da prescrição do crédito tributário? O julgamento do REsp 1.120.295/SP é o primeiro na história dos tribunais superiores em que se decidiu que lei ordinária (CPC) poderia tratar de prescrição tributária, sob o argumento de que a lei complementar (CTN) é incoerente. Trata-se de julgado per incuriam, pois, além de contrário ao artigo 146 da CF/88, que instituiu competência para lei complementar disciplinar sobre prescrição em matéria tributária, é fundamentado somente no caput e parágrafo 1º do artigo 219 do CPC/1973, restando ignorados seus demais parágrafos. O REsp 1.120.295 foi superado após 10 meses por um julgado da Corte Especial do STJ no AI no AG 1.037.765/SP, em que se estabeleceu que “tanto no regime constitucional atual (art. 146, III, b, CF/88), quanto no regime constitucional anterior (art. 18, 1º da EC 01/69), as normas sobre prescrição e decadência de crédito tributário estão sob reserva de lei complementar”. Contudo, continua sendo invocado pelas procuradorias, gerando pergências entre Fisco e contribuintes. 3. Por que em 2019 ainda discutimos decadência e prescrição? O cenário é de total insegurança jurídica Para Becho, a ineficiência da administração tributária é o motivo pelo qual ainda se discute, em esfera federal, decadência e prescrição. Se a Receita Federal cumprisse o prazo de 90 dias, contado da caracterização da mora, para o envio dos processos administrativos para Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, para fins de inscrição do débito em dívida ativa e propositura da respectiva ação de execução fiscal, não existiriam grande parte dessas discussões. Becho relatou a demora média, no ano de 2010, de 11 meses entre o protocolo da petição inicial e a distribuição da ação. Da subida dos autos até o despacho determinando a citação, o tempo, conforme relata, é uma incógnita, pois dependerá de cada vara e juiz. Do despacho determinando a citação até sua efetivação pode demorar até 25 anos. O sujeito passivo é obrigado por lei a conservar documentos fiscais por no máximo seis anos. Contudo, devido à demora do sistema, o contribuinte é forçado a conservá-los até a posteridade. Neste contexto, há apenas uma forma de promover segurança jurídica: considerar que apenas a efetiva citação do devedor interrompe a prescrição. 4. Conclusões Institucionais do NEF/FGV Direito SP O Núcleo de Estudos Fiscais conclui que seria importante, de acordo com o CPC/ 2015 e as melhores práticas processuais, que o próprio STJ fosse instado a se manifestar sobre a matéria. Em nosso entendimento, o disposto no CTN e na LEF deveria prevalecer em detrimento do que estabelece o CPC. Em primeiro lugar, a matéria da prescrição tributária é reservada à lei complementar (CTN). Além disso, CTN e LEF são mais específicos que o CPC e determinam expressamente que o despacho de citação é o marco interruptivo da prescrição (artigo 174, parágrafo único, I, do CTN e artigo 8º, parágrafo 2º da LEF). Entendemos que o STJ também se equivoca ao aplicar a Súmula 106/STJ de 1994, que trata da prescrição na hipótese de demora na citação, sob égide da antiga redação do artigo 174, I, CTN. Após edição da LC 118/2005, a demora na citação pessoal do devedor não mais interfere na interrupção do prazo prescricional dos fatos geradores posteriores à LC 118/2005. Ademais, as regras de prescrição devem ser interpretadas em sua literalidade, pois estabelecem termos objetivos nas relações e conferem segurança jurídica para as partes. O estabelecimento pela lei de marcos temporais claros é uma imposição da segurança jurídica na delimitação do fato jurídico. Com efeito, o precedente faz confusão entre as regras aplicáveis à consumação do direito de ação relativamente aos créditos não tributários, no âmbito do CPC, e, de outro lado, à interrupção da prescrição de créditos tributários, no âmbito da Lei 6.830/1980 (LEF) e do CTN. Foi elaborado relatório de pesquisa pelos pesquisadores do NEF/FGV Direito SP, cujo objetivo é estruturar os principais pontos abordados pelos debatedores que compuseram a mesa do seminário, permitindo que as colocações e debates travados no âmbito do evento sirvam de material de pesquisa para aqueles que se interessam pela temática da prescrição no Direito Tributário. Eurico Marcos Diniz de Santi é professor e coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP e diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). Lina Santin Cooke é coordenadora executiva do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP e mestranda em Direito Tributário pela mesma faculdade. Gabriel Franchito Cypriano é estagiário de pesquisa do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP e graduando em Direito na PUC-SP. Júlia Mendes é estagiária de pesquisa do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP e graduanda em Direito na PUC-SP.
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